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Ruínas da fábrica de cimento, na Ilha Tiriri, em Santa Rita, PB — Foto: Alysson Medeiros/Acervo pessoal |
A pesquisa, tese de doutorado do perito criminal federal Alysson Medeiros, está disponível no repositório institucional da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Todo o trabalho durou cerca de quatro anos e além da descoberta, também rendeu um livreto de cordel escrito pelo pesquisador.
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Capa e trechos do cordel escrito pelo pesquisador — Foto: Alysson Medeiros/Acervo pessoal |
A indústria foi explorada por um grupo nacional, cujo diretor executivo era um engenheiro gaúcho formado na França. A fábrica foi inicialmente construída por um engenheiro carioca que estudou nos Estados Unidos e teve o projeto assinado por um renomado engenheiro inglês.
O empreendimento funcionou por pouco tempo e teria fracassado não por causa da qualidade do cimento nem pela mudança do processo produtivo para fornos rotativos, usados até hoje na fabricação do cimento Portland. Segundo o pesquisador, a fábrica teria fechado por um conjunto de causas envolvendo desde problemas de eficiência relacionados a um dos equipamentos a até mesmo problemas de ordem econômica.
Apesar disso, o cimento lá fabricado foi utilizado em construções como a antiga Cadeia Pública de João Pessoa, o revestimento dos antigos reservatórios de água que existiam na Praça João Pessoa e também em obras complementares do Theatro Santa Roza, que já havia sido inaugurado quando da construção da indústria.
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Theatro Santa Roza, em João Pessoa — Foto: Francisco França/Jornal da Paraíba |
Alysson conta que soube da antiga história da fábrica enquanto estudava no programa de doutorado em ciência e engenharia de materiais. O orientador dele, Sandro Marden Torres, fez parte de um grupo de pesquisadores da UFPB, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), que em 2014 apresentaram um banner sobre a fábrica visando estimular pesquisas sobre o local.
“Eu trabalho na área de engenharia forense e pelo meu perfil de perito, acabei ‘engolindo a isca’ que jogaram e encarei o desafio da pesquisa. O fato de ter experiência na perícia forense possibilitou desvendar o mistério da história desta fábrica”, conta o pesquisador.
Segundo Alysson, todas as pesquisas anteriores sobre a história do lugar a colocavam como sendo a primeira fábrica de cimento do Brasil ou no máximo da América do Sul, porém a pesquisa feita por ele encontrou materiais e registros que a reposicionou na linha do tempo, sendo a primeira da América Latina.
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Anúncios do cimento de Tiriri em jornais paraibanos de 1892 — Foto: Reprodução/Estado do Parahyba e O Parahybano |
“Descobri evidências que comprovaram a sua atividade, que era objeto de discussão e dúvida até então. Ainda restavam dúvidas de que ela fosse a primeira fábrica latino americana e até mesmo de que ela havia produzido cimento”, diz.
A pesquisa começou com um estudo bibliográfico sobre o setor de cimento Portland no século XIX em todo o mundo. Segundo Alysson, o Reino Unido era a referência da época, além da França e da Alemanha. Estes países foram pioneiros na fabricação deste tipo de cimento, que só depois começou a ser feito nos Estados Unidos.
“Antes de saber se a fábrica era a primeira do Brasil, precisei identificar se ela, de fato, era uma fábrica de cimento Portland. Estudando o processo produtivo das fábricas europeias e americanas e comparando com as instalações e equipamentos que haviam na fábrica daqui, de fato a fábrica de Tiriri era totalmente compatível e apta a fabricá-lo”, diz.
Após esta comprovação, o pesquisador passou para a fase de perícia, investigando no local os vestígios da atividade industrial, para saber se o cimento produzido era consistente com o que aparecia nos registros documentais. “Nas estruturas remanescentes da fábrica restaram os fornos de tecnologia alemã. Eu estudei o processo de fabricação do cimento daquela época e em um dos quatro fornos das ruínas, encontrei material suficiente que tornou possível a pesquisa em laboratório”, comenta Alysson.
A pesquisa teve a fase de campo e depois a de laboratório, com uso de tecnologia de ponta da UFPB. Além dos resíduos no forno, o pesquisador coletou amostras das jazidas de calcário da ilha e também do cimento produzido na época, que estava armazenado em um barril de madeira e que acabou se solidificando com o passar dos anos. Alysson considera a peça um dos mais importantes achados da pesquisa.
“Fiz os ensaios para caracterizar os materiais com várias técnicas a fim de saber se ele era mesmo compatível com o cimento esperado da época. Fiz o comparativo e na verdade identifiquei que ele se alinhava com o Mesoportland, um cimento Portland produzido com o tipo de forno que havia no local”, explica o pesquisador.
O orientador de Alysson disse que o estudo revela o pioneirismo da América Latina na produção de cimento Portland, mesmo a fábrica tendo funcionado por apenas seis meses.
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Sandro Marden e Alysson Medeiros em foto juntos com o barril de cimento encontrado durante a pesquisa — Foto: Divulgação/UFPB |
Darlene Araújo, doutora em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), diz que os resultados da pesquisa podem render dividendos importantes e que investir na preservação do patrimônio histórico pode estimular o turismo e a economia na região.
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Parte das ruínas da fábrica de cimentos na Ilha Tiriri, em Santa Rita, PB — Foto: Alysson Medeiros/Acervo pessoal |
“Eu vejo ela (a fábrica) como extremamente emblemática, pelo fato de ter sido pioneira. A gente tem naquele local o registro do início da fabricação do cimento não só na Paraíba nem no Brasil, mas na América Latina. Nós temos os vestígios dessa cultura industrial que aconteceu ali e se mantém naquela ilha”, completa.
Para Alysson, a descoberta é o resultado de um imenso trabalho de equipe, que envolve não só professores e colegas do programa de doutorado, como também colegas de trabalho na Polícia Federal, moradores do distrito de Livramento, em Santa Rita, e também funcionários da empresa que atualmente ocupa a ilha onde encontram-se as ruínas. “Sem eles, teria sido difícil ter esse êxito em tão pouco tempo de pesquisa”, completa.
Por Diogo Almeida e Hildebrando Neto
G1 PB com TV Cabo Branco.
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